Chocou-me ontem a afirmação do Francisco que o valor
arquitetónico da igreja do Sameiro, em termos de interesse nacional, é
zero. Pode não ser dos monumentos mais ricos em termos arquitetónicos comparativamente
às igrejas Matriz, Misericórdia, de Paço de Sousa ou da de Cête, mas tem um
valor histórico e sentimental incomparáveis. Nem oito nem oitenta, zero é que
não! Passo a transcrever um breve trecho do capítulo Santuário da S. da Piedade
e Santos Passos, retirado do livro Penafiel (Soeiro, Teresa; “Penafiel”,
Editorial Presença, Cidades e Vilas de Portugal, pp 93 a 96) e que faz a história da sua construção.
“O santuário do Monte de S. Bartolomeu seria a grande
novidade destes anos, totalmente diferente na sua dimensão e concepção dos
templos até aí existentes. Algo de profundamente moderno, que ponha Penafiel a
par de tantas outras terras do reino que renovaram os que possuíam já ou construíram
nesta época grandes santuários de peregrinação. “ … ”O santuário era o coroar
da obra de expansão e modernização da cidade a que Manuel Pedro Guedes
imprimira um ritmo acelerado que não deixou de ser criticado por alguns dos
seus contemporâneos assustados com tantas mudanças que, pensavam, ultrapassavam
largamente a capacidade de realização local. Este empreendimento, muito comum
na época e hoje conhecido por Sameiro por associação com o seu congénere maior
de Braga, deu mais uma vez razão aos cépticos, tal foi a morosidade dos
trabalhos, desembocando na impossibilidade de cumprir o programa anunciado.”
“O local escolhido para implantar o novo tempo, o monte de
S. Bartolomeu, Monte do Povo ou Monte da Forca, proeminente sobre a cidade e o
vale do Sousa, espaço baldio, desempenhara antes as funções que a toponímia
denuncia, acrescidas ainda da de Facho, outrora localizado no Calvário e para
aqui mudado quando a urbanização atingiu fortemente o outro extremo da cidade.
Fora do espaço urbano, o monte começava a ser abordado nas suas franjas por
habitações que acompanhavam a estrada de Trás-os-Montes e a sua variante em
direcção ao Tâmega.”
“Perante a necessidade de libertar o campo da Piedade da
capela desta invocação e da dos Santos Passos para no espaço do antigo rossio
construir o mercado público, a Câmara optou pela cedência às confrarias de 960
e 640 m2 respetivamente para neles reconstruirem os seus templos ou
erguerem um novo, em conjunto.” … “Como o edifício se desejava grande e vistoso
foi incentivada a união das confrarias. A planta, essa veio de Lisboa em 1885,
oferecida por Manuel Pedro Guedes. Era de autoria do engenheiro Jorge Pereira
Leite e incluía para além do desejado templo um chalet para turistas e um parque, bem ao gosto dos bosques
românticos elaborados por arquitectos paisagistas. Este projeto parece, porém,
uma adaptação muito simplificada, senão abastardada, do desenho inicialmente
concebido pelo engenheiro Manuel Maria Ricardo Correia. Difícil seria encontrar
na terra financiamento para uma obra de tal monta. Como reserva sempre
disponível, lançou-se mão da sensibilização dos residentes no Brasil para que,
com as suas contribuições, viabilizassem o empreendimento. Tudo o mais foi
obtido por subscrições e donativos recebidos ao longo de anos, com picos de
efervescência entremeados por longos períodos de desinteresse.”
“Longo e penoso iria ser o crescimento do templo. Em 1889
adjudicava-se as obras de pedraria, ao mesmo tempo que se iniciavam as
plantações de árvores nos terrenos envolventes.” … “Em 1891 fechava-se o arco
cruzeiro da capela-mor. Na sua cúpula trabalhava-se em 1893. O objectivo era
terminar esta capela para nela se poder celebrar o culto. Também o adro estava
a ser preparado e o monte embelezado com árvores de grande porte, uma gruta e
duas pontes em madeira a ligar aos montículos vizinhos, uma delas sobre a
avenida em construção.” … “No ano seguinte dá-se início á torre e, a meados de
Setembro, no meio de uma imensa festa inaugura-se a capela-mor, colocando-se
nela a imagem da Senhora da Piedade trazida em procissão desde a Matriz.” … “Em
1897 fechava-se o arco da porta e investia-se sobretudo no parque, criando-se
atrativos e condições para ser frequentado. A canalização das águas e colocação
de uma fonte na escadaria abaixo do adro, a construção dos lagos e a da
escadaria de acesso atraíram ao local a população da cidade e os romeiros,
todos indispensáveis à sobrevivência do projecto que demoraria ainda décadas a
ser concluído.”
Em termos pessoais, vivi na casa do parque de 1967 até 1979.
O Jardim do Sameiro era o jardim da minha casa, um imenso espaço de liberdade
na minha infância. Já a Igreja do Sameiro parecia que existia ali desde sempre. Mas
agora, após 30 anos de ter deixado a casa do parque, ao descobrir estes bilhetes
postais ilustrados, constato como é fascinante observar como as coisas mudaram
ao longo do tempo… A igreja ainda sem cúpula, o cruzeiro que se vê em primeiro plano e que terá sido mudado para
trás da igreja muito antes dos anos 60, ficava mais ou menos no mesmo sítio
onde colocávamos uma das balizas nos jogos de futebol, e o patamar logo abaixo
das escadas da igreja não era ainda plano como o fizeram mais tarde.
A igreja e parque do Sameiro foram o esforço e a dedicação
de uma população e cidade para construir uma obra maior que as suas posses mas
do mesmo tamanho que o enorme sonho que levou à sua construção!
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