segunda-feira, 25 de junho de 2018

O Jardim do Paraíso


Imagem 1 2009/08 - Google Heart

Passava por aquela quinta muito de vez em quando… e aquelas imagens não me saíam da cabeça. Era uma pequena quinta murada, com um portão senhorial, alto, em ferro, quase sempre fechado e que vedava o acesso de quantos passavam. Logo a seguir à entrada um pequeno lago com nenúfares e, a partir daí, linhas infindáveis de árvores de fruto, pessegueiros, macieiras, pereiras, laranjeiras… todas muito bem tratadas num cenário de imensas cores que prendia a atenção de quem passava e que atiçava a imaginação… Para mim era o Jardim do Paraíso!

De quem era aquele pomar? Quem o tratava? Quando passava por ali, estava sempre fechado, deserto, e admirava-o logo desde que o vislumbrava ao longe a seguir ao Jardim do Sameiro, ao pé do edifício da Escola Industrial de Penafiel (o antigo orfanato feminino), passava em frente ao austero portão e à medida que percorria a estrada que serpenteava por entre as casas e quintas em direção ao vale do rio Cavalum em Milhundos.

Bilhete Postal Ilustrado Parque do Santuário lado sul e orfanato feminino, cerca de 1930 - Biblioteca Municipal de Penafiel

No início dos anos 70, talvez por volta de 1972 no início do verão, teria eu 8 anos. Tive finalmente coragem para o enfrentar, de entrar naquele jardim proibido! Com a minha irmã Fátima, quase dois anos mais velha, juntamos as coragens e combinamos lá entrar, para podermos comer algumas frutas das árvores do jardim…

Aquela tarde começou com a emoção intensa da aventura, de que estávamos a descobrir algo desejado há muito tempo, mas havia também uma dúvida a pesar na consciência!... O portão estava fechado, mas reparamos com alívio que não estava trancado! Transpusemo-lo e fechamos o portão nas nossas costas, o jardim estava conquistado!

O lago dos nenúfares, mais bonito ainda do que parecia visto de fora, era o centro de uma plataforma que encimava todo o pomar, com filas e filas de árvores a perder de vista. Descemos umas pequenas escadas encostadas ao muro e deparamo-nos logo com as primeiras árvores, altas e carregadas de frutos.

Após uma pequena incursão entre as árvores para escolher os frutos mais atraentes e apetecíveis e ainda indecisos de quais escolher, ouvimos um barulho junto ao portão, era o vigilante do pomar! Encostámo-nos ao muro protegidos por uma árvore, com o coração aos pulos e o desespero de estarmos encurralados numa ratoeira!

O Vigilante segurou o portão com a mão, divisou um e outro lado do pomar e após certificar-se que estava tudo bem, saiu e voltou a fechar o portão, o que nos transmitiu uma sensação de enorme alívio…

O espírito de aventura tinha terminado, naquele momento foi só agarrar rapidamente nalguns frutos, metê-los dentro da camisa e voltar para a segurança de casa. No entanto, ao chegarmos ao portão o Vigilante estava uma vintena de metros à frente a falar com o condutor de um veículo de transporte que ladeava a estrada. Como não havia maneira de se irem embora pois a conversa parecia não ter fim, decidimos arriscar, pois o Vigilante estava de costas para o portão do jardim e para o caminho que teríamos de fazer.

Saímos de mansinho e iniciamos o caminho e só então reparamos que estava um miúdo, mais novo do que nós, no lugar de trás do veículo, de pé junto à janela e a presenciar a conversa. O seu olhar saltou ao ver-nos, pois naquele instante percebeu o que tínhamos feito… Olhava ansioso para os dois homens, queria interromper a conversa para contar a sua descoberta. Nós íamos caminhando naquele desespero infindável, o miúdo continuava a tentar interromper a conversa, mas graças a Deus não conseguia…  Olhávamos para trás de vez em quando e fomos ganhando alívio e confiança à medida que nos afastávamos!...

Antes de virarmos a esquina no edifício da Escola Industrial e entrarmos no Jardim do Sameiro, aprendi uma lição que sustentou a construção dos meus valores e princípios para a vida, que o Jardim do Paraíso tinha frutos proibidos! Souberam-nos muito bem os frutos que colhemos, mas as maçãs demasiado verdes provocaram-nos uma dor de barriga que nos serviu de castigo e nos expulsou da ideia lá voltarmos tão cedo!

Uns anos mais tarde aquela pequena quinta foi expropriada e desmantelada. Construíram à frente do lago de nenúfares uma estrada de acesso para a nova escola do Ciclo Preparatório. O lago ainda existe, no entanto está seco há muito tempo… mas os nenúfares e aquele jardim existem algures… quanto mais não seja nas minhas memórias!

Imagem 2 2009/08 - Google Heart