Lembro-me de se ter falado, há talvez dez anos, de um livro (um
ensaio sobre a evolução social futura), sobre uma migração para a Europa. Que
devido à pobreza, aos conflitos, à desigualdade de oportunidades e como forma
de protesto, uma gigantesca migração de populações que contornavam o Mediterrâneo,
pelo Médio-Oriente, e se dirigiam para a Europa à procura de uma oportunidade!
A forma como se tem desenrolado a migração para a Europa é
diferente mas a verdade é que vejo-a hoje como uma premonição. O desastre
humanitário que decorre há meses, já teve uma tímida, e forçada pelas
circunstâncias, resposta da EU mas continuam a perder-se vidas todos os dias e
o problema está longe de estar resolvido. Talvez porque o problema tem uma
enorme dimensão, e importa perceber as razões que estiveram na sua origem para
se poder alterar as causas.
Uma das vertentes mais importantes do problema são os
conflitos regionais, étnicos e religiosos. Só o tempo e uma evolução
civilizacional nestas zonas, com a evolução das condições económicas e na
educação, poderão ultrapassar as razões que estão na base destes trágicos
conflitos.
Com a globalização e a abertura dos mercados, era suposto
criar-se condições de crescimento e equidade no mercado internacional que
permitissem a generalização da melhoria das condições económicas dos países do
terceiro mundo, e assim as condições de vida na saúde, educação e sociais das
populações. No entanto, o desenvolvimento e melhoria económica ocorreram sem
abertura política de muitos desses regimes e sem melhoria das condições e
direitos laborais. O quais, devido à concorrência, custaram a queda económica
dos países ocidentais que, desde o início da globalização, têm crescimentos
económicos muito baixos.
Com os problemas económicos, os países ocidentais apostam
nas relações económicas com estes países emergentes, as quais só beneficiam as elites
políticas desses países e deixam a grande maioria da população na miséria.
Veja-se o caso de Portugal e Angola. Muitos desses países emergentes são
autoritários, corruptos e mal geridos.
Isto reflete também uma crise de valores da sociedade
ocidental, até há duas décadas atrás os países que não respeitassem os direitos
humanos ou corruptos eram marginalizados, impunham-se sanções sobre a égide da
ONU e limitavam-se as suas relações económicas. Hoje, só nos casos extremos de países
que apoiam o terrorismo, são aplicadas essas sanções. Os interesses económicos
e também os problemas económicos da última década têm feito esquecer os valores
dos direitos humanos, da democracia e a justiça e o estado de direito.
As populações pobres dos países subsarianos e do Oriente vêm
na Europa um futuro melhor que não encontram nos seus países. Mas é irónico
como um processo que foi iniciado para a melhoria das condições de vida nos
países do terceiro mundo, não teve de facto esse efeito e deixou a Europa numa
situação difícil e com menos recursos para poder evitar a, que é considerada, maior
tragédia de sempre no Mediterrâneo.
No início deste desastre humanitário, o primeiro-ministro de
Malta Joseph Muscat, proferiu uma declaração que deve servir como o “acordar
das consciências” dos líderes dos países europeus: “Está a desenrolar-se uma
tragédia no Mediterrâneo, e se a União Europeia e o mundo continuarem a fechar
os olhos, serão julgados da forma mais severa possível, tal como foram julgados
no passado quando fecharam os olhos a genocídios enquanto os que viviam bem
nada fizeram".